Contingenciamento: Uma palavra necessária da nossa atualidade
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No final de abril do ano passado, menos de um mês depois de assumir o cargo de ministro da Educação e Cultura, Abraham Weintraub declarou que haveria um corte de 30% no orçamento das universidades federais que promovessem 'balbúrdia' e tivessem desempenho acadêmico abaixo do esperado

*Fabio Claudio Tropea

No final de abril do ano passado, menos de um mês depois de assumir o cargo de ministro da Educação e Cultura, Abraham Weintraub declarou que haveria um corte de 30% no orçamento das universidades federais que promovessem ‘balbúrdia’ e tivessem desempenho acadêmico abaixo do esperado. Graças a essa declaração, este servidor estrangeiro apreendeu uma nova palavra, a balbúrdia (desordem barulhenta, situação confusa). Mas essa já seria outra historia!. Aqui só lembrar que os protestos no setor da educação foram imediatos e enérgicos, tanto pela ameaça econômica como para o insulto de barulhentos e desordenados. Muitas universidades, indignadas pelas palavras do ministro, criaram perfis no Instagram batizados de ‘balbúrdia’ para divulgar a produção científica das próprias universidades e as ações que aproximam o mundo acadêmico da população. Poder das palavras! Me deixem voltar ao tema principal. Depois d´aquilo, consultei na mídia e descobri que a palavra contingenciamento se usa muito no âmbito econômico. Devo a Raul Velloso, um economista especialista em contas públicas, a melhor explicação rápida sobre o assunto. Ele escreveu que ‘contingenciamento é a ameaça de corte, um bloqueio temporário’. Ou seja, na prática contingenciamento e corte seriam quase sinônimos, dois momentos da mesma operação orçamentária: o antes e o depois. O ministério, depois da confusão semântica gerada ao escrever aquilo de ‘corte do 30 %’, quis explicar melhor e, como é habitual, recorreu a uma metáfora narrativa: “O contingenciamento é guardar, é poupar. É como o pai que tem um salário e sabe que tem que comprar o vestido de 15 anos da filha em outubro, mas está em maio. Aí ele vê o que está entrando e o que está gastando e pensa ‘pode ser que não dê’. Depois dessa pequena tempestade mediática, não ouvi falar mais de contingenciamentos até o outro dia. Chegou-me um email de uma faculdade local com a qual colaboro. Informava-me que em breve apresentariam para as autoridades competentes um ‘Plano de Contingenciamento, valendo-se de procedimentos técnico-científicos, epidemiológicos e pedagógicos’. Surpreendi-me, achava que já sabia tudo sobre essa palavra, e de repente estavam preparando um documento que não tinha aparentemente nada a ver com cortes financeiros e sim com temas sanitários e científicos! Decidi agarrar o touro pelos cornos (como dizem na Espanha), e comecei uma detalhada pesquisa terminológica sobre contingências e contingenciamentos. Os primeiros resultados foram desesperantes. No louvado dicionário online Priberam da Língua Portuguesa li que con·tin·gen·ci·a·men·to é um substantivo masculino e significa ‘o ato ou efeito de contingenciar’. Até aqui, tudo bem, já era fácil imaginar isso sem precisar procurar em louvados dicionários. Ainda esperançado, procurei na entrada ‘contingenciar’, com já um desejo de explicações claras e rápidas. A minha surpresa foi maiúscula quando achei que ‘contingenciar’ é um verbo transitivo que significa ‘estabelecer contingências’. Haja repetições! O cúmulo foi quando li as palavras relacionadas com ‘contingenciar’ que o dicionário escolheu para ‘aclarar’ as coisas: “contingenciamento, contingentar, contingentemente, contingencial, contingência, contingentação, contingentamento”!!! Uma verdadeira balbúrdia de palavras que não explicam nada ou, como dizia Shakespeare, muito barulho por nada!

Por sorte, depois dessa obscuridade explicativa inicial, o dicionário me ofereceu alguns exemplos de frases concretas, o que aportou algo de luz no assunto, ressaltando que contingenciar é sinónimo de bloquear, limitar, circunscrever. Algo de luz, porque tudo parecia indicar que contingenciar tivesse a que ver só com o âmbito econômico, e ainda não tinha descoberto o que as faculdades estavam querendo contingenciar (ou seja bloquear) e porque queriam mostrar esse bloqueio as autoridades. A coisa estava ainda nebulosa, então decidi utilizar os meus (modestos) conhecimentos filosóficos para esclarece-las. Lembrei que ‘contingente’, para a filosofia clássica, é um atributo que significa o contrário de necessário. Contingente é algo que pode ou não pode acontecer, que é duvidoso e que ocorre de modo casual ou acidental. Resolvido! A través do recurso filosófico, agora entendemos o significado do nosso termo problemático e finalmente do plano contingencial das faculdades, que tem por objetivo a possível próxima reabertura das aulas presenciais. Esclarecedora resultaria aqui a expressão (típica da linguagem militar) ‘enviar um contingente de soldados’ ou, nessa época dramática da pandemia, ‘enviar um contingente de respiradores para os hospitais de campanha’. As duas frases significam que não há a quantidade necessária, senão só aquela disponível, limitada, dada a situação precária. Para uma faculdade, isso significa oferecer um plano o mais rigoroso e científico possível (dadas justamente as contingências), para voltar a sua tarefa fundamental, a de oferecer formação decente aos estudantes. Porque, como diz a imagem de arriba, “embora a educação pareça cara, muito mais cara é a ignorância”.

* Semiólogo, escritor, palestrante e analista das linguagens da comunicação, graduado em Sociologia e Jornalismo em Urbino (Itália) e doutor em Comunicação na Universidade Autónoma de Barcelona, Espanha. Contato: fabioclaudiotropea@g.mail.com
Jornal Nova Fronteira