Burocrática-mente
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Querido leitor, hoje te conto que há mais de 3 anos estou lutando pela revalidação de meu título doutoral estrangeiro. Quando finalmente há um ano tinha reunido todos os trezentos documentos necessários, legalizados pelos ministérios competentes, o sistema de revalidação mudou porque o Brasil entrou na Convenção da Haia relativa à supressão da exigência da legalização dos atos públicos estrangeiros.

* Fabio Claudio Tropea
ftropea8@msn.com
fabioclaudiotropea@gmail.com

Querido leitor, hoje te conto que há mais de 3 anos estou lutando pela revalidação de meu título doutoral estrangeiro. Quando finalmente há um ano tinha reunido todos os trezentos documentos necessários, legalizados pelos ministérios competentes, o sistema de revalidação mudou porque o Brasil entrou na Convenção da Haia relativa à supressão da exigência da legalização dos atos públicos estrangeiros. E teve que voltar a fazer tudo outra vez! Uma das expressões que se aprende rápido é que para qualquer atividade se precisa uma “papelada”. Para dar uma palestra ou um curso numa universidade, a quantidade de dados e certificados requeridos é exasperante, temos que “correr atrás da papelada”.

Uma das primeiras impressões que tive quando comecei a viver no Brasil, além da tópica paixão para a música e o futebol, foi que esse é um dos países mais burocráticos do mundo. O problema é que música e futebol são prazerosos, mas burocracia ninguém gosta. A resposta típica do brasileiro quando perguntas porque tanta burocracia, é que tudo vem dos portugueses. É um jeito simples de responder, mas não ajuda muito porque se por uma parte os portugueses nunca foram os mais burocráticos na Europa, por outra parte é evidente que a burocracia não é legado dos indígenas. Em todo caso, se tudo isso servisse para eliminar a corrupção, ainda bem, mas muitos estudos sérios, em vários países, demostraram há tempo que, vice-versa, os dois fenômenos parecem inextricavelmente unidos, e donde tem muito do um também tem muito do outro.

A História. A introdução sistemática de um sistema administrativo dividido em inúmeros escritórios datam do Imperador Cláudio, no primeiro século D.C. A interposição de um corpo de funcionários intermediários entre o poder e a sociedade romana, representou uma importante revolução conceitual, mas Cláudio deu a chefia dos vários escritórios para seus libertos, cujos nomes (Pallas, Narciso, Calisto, etc.) são ainda sinônimos de corrupção, arbitrariedade, conspiração, até assassinato. Burocracia e corrupção, eis aqui uma dupla muito antiga! Nos tempos modernos, a introdução sistemática de uma burocracia rigidamente organizada foi organizada na constituição dos Estados-Nações, tendo Napoleão Bonaparte um papel de liderança absoluta na operação de burocratização do Estado. Logo, a burocracia continuou-se a consolidar e expandir sem parar. O significado atual, portanto, foi e é muito influenciado por algumas “consequências não intencionais” do fenômeno burocrático. Rigidez, lentidão, desajuste, ineficiência, ineficácia, léxico difícil ou até mesmo incompreensível (o chamado jargão), falta de estimulação, irresponsabilidade, abrangência excessiva, tendência para regular todos os aspecto da vida diária.

O Brasil das 181 mil leis. Um dia li que um oficial britânico – herói de guerra que perdeu a perna em combate contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial – aos 82 anos resolveu passar o verão no Brasil. Ao desembarcar no aeroporto, porém, foi barrado e mandado de volta para casa. Motivo alegado pelas autoridades: o estrangeiro não pode entrar porque é mutilado e tem mais de 60 anos de idade. Por incrível que pareça, tamanho absurdo está previsto na legislação brasileira. O decreto-lei nº 4.247 dá amparo legal a essa medida. O Brasil tem nada menos que 181 mil normas legais, segundo um levantamento feito há pouco pela Casa Civil da Presidência. E ninguém sabe ao certo quantas delas já foram revogadas e quantas ainda estão em vigor. Em 2012, foi constituído um grupo especial que tinha como tarefa avaliar todas essas 181 mil leis e eliminar tudo o que houver de excesso. A ideia era expurgar de uma vez por todas as leis efetivamente revogadas, extinguir aquelas que a modernidade tornou caducas, unir as que se repetem e eliminar as que colidem entre si. A dificuldade de executar uma revisão tão ampla e duradoira, o seja o poder da burocracia, travou esse projeto que jamais foi levado a termino!

Burocracia e Internet. Os meios de comunicação eletrônicos nos permitem hoje alcançar uma velocidade próxima a imediatez, todos podemos obter informação em questão de segundos, mas isso não parece acontecer quando no meio estão os tentáculos da burocracia. E por estranho que pareça, essa rapidez dos novos meios não pode ajudar a celeridade no serviço ao cidadão. Muito pelo contrário. Todo mundo já passou pela situação absurda de se apresentar pessoalmente em um escritório da administração pública para resolver algum assunto (burocrático, evidentemente). E escutar o funcionário pronunciar aquela irritante frase surrealista: “Desculpe, para obter esse documento o senhor deverá fazer uma solicitude pela Internet, no site da nossa Instituição”. E você – querendo gritar, mas se contendo por educação e um antigo instinto de subalternidade frente ao Poder – apronta um débil protesto mas o funcionário, despiedado, insiste em que “infelizmente, são as normas que todos temos que respeitar”.

Essas são degenerações do conceito inicial, que queria justamente se basear num princípio de igualdade frente a lei, através de uma aplicação impessoal, transparente e explícita. Mas o que podias se esperar de uma palavra tão hibrida e esdruxula? Burocracia (resista a tentação de por duas r iniciais!) é um termo composto pelo francês bureau (escritório) e pelo grego, krátos (poder), significando já desde o começo uma forma de dominação exercida por simples e arrogantes funcionários de escritórios.

“Se tiver que cometer um pecado, faça contra Deus, não contra a burocracia. Deus vai perdoar você, a burocracia jamais” (Franz Kafka)

* Italiano por nascimento e cidadão do mundo por vocação, sou semiólogo, escritor, docente, palestrante e analista das linguagens da comunicação. Sou graduado em Sociologia e Jornalismo em Urbino (Itália) e doutor em Comunicação pela UAB, Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha), cidade aonde residi e trabalhei durante mais de 25 anos.
A minha carreira, em poucas linhas: depois da graduação, entrei estagiário e assistente na universidade de Urbino. Depois ganhei uma bolsa na Espanha para estudar o sistema cultural das midia na fase de transição do país e me estabelecei definitivamente em Barcelona, desempenhando durante muitos anos atividade de professor universitário de semiótica, comunicação e educação e, por outro lado, consultor-analista profissional, nos campos das mídia, o marketing de produto e serviço e especialmente o mix de comunicação que compõe o branding.
Há três anos, por razões familiares, me mudei para o Brasil (Barreiras, Bahia). Aqui, continuo a minha atividade como consultor/pesquisador na área de comunicação e marketing, especialmente em São Paulo, e como docente, no Instituto Europeu de Design (IED, Rio de Janeiro e Brasília), a Universidade Dom Pedro II de Barreiras, a universidade IESB de Brasília, e a FAESA de Vitoria (Espírito Santo).
Jornal Nova Fronteira