Humberto Pinho da Silva – Porto, Portugal
Esta contou-me amigo – conheci-o no local onde costumo merendar, – e ocorreu na empresa onde trabalhou, exercendo a profissão de continuo.
– Ser contínuo numa empresa – disse, – permite escutar conversas e descobrir os segredos guardados nos gabinetes…
Alfredo orgulha-se de ter exercido esse serviço. Não se cansa de repetir: – Para ser contínuo é preciso imitar os três macaquinhos das feiras: não ouvir; não ver; não falar.
Agora que se aposentou, e a idade avança, começa a contar o que viu e ouviu em quarenta anos de trabalho…Deixaram de ser segredo…
Certa vez – contou-me, – entrei no gabinete do chefe. Era uma manhã de Abril. Na sala, além deste, estava o encarregado, avaliando o pessoal.
Quase à puridade, não fossem escutar a fofoca, contou-me que o encarregado pegava nas fichas dos operários e ia tecendo opiniões, em voz alta, sobre a conduta de cada um.
Ao levantar a ficha de jovem operária, declarou:
– Esta nem zero! …Abandona frequentemente o local de trabalho. Ouvi da sua própria boca, que anda sempre sonolenta, porque se deita de madrugada. Fica até às tantas na discoteca…
– E sabe o senhor o que ouvi?! – disse-me num cicio, como revelasse grave segredo: – O senhor é que escolhe, mas não se esqueça que é sobrinha da secretária do Senhor Administrador…
Alfredo não escutou a resposta do encarregado: – Parecia mal, entende…, mas certo é que a pequena levou o melhor prémio… Bem protestaram as camaradas…mas disseram-lhes que a mocinha era doente…Que precisava de incentivos…
E concluiu deste jeito meu companheiro de café: – Vale mais ser filho ou sobrinho da senhora Fulana ou do senhor doutor, que anos de dedicação… e competência.
E com gesto de desânimo, rematou:
– É a vida…é a vida…
E saiu envolto na gabardina preta, lustrosa nos punhos.
E eu fiquei a reflectir: que o mérito, na maioria dos casos, é feito de – pouquinho de competência, nome de família, e estar, no momento exacto, no partido político exacto… à mistura, quantas vezes, de falta de carácter… e outras coisas mais… que não devo nem posso narrar aqui.