Poligamia (I): O casamento de um homem com duas (ou mais) mulheres é lícito
  • Compartilhe:

Este artigo foi escrito para provocar discussão, o que se infere desde o título, propositadamente provocativo. E, por qual motivo? A sociedade contemporânea enfrenta o pior caos da História

Ronaldo Ausone Lupinacci*

Este artigo foi escrito para provocar discussão, o que se infere desde o título, propositadamente provocativo. E, por qual motivo? A sociedade contemporânea enfrenta o pior caos da História, achando-se na iminência de nova guerra mundial e de guerras intestinas, as terríveis guerras civis fratricidas, aquilo que seria a suprema punição à sociedade, pelos desvios de pensamento e de conduta. É hora de refletir, portanto. Refletir para corrigir os rumos do presente, e, traçar o rumo do futuro, salvo se o grau de corrupção mental já tiver atingido seu auge, vale dizer a opção pelo suicídio coletivo dentro de algum tempo, ameaça muito mais palpável do que fantasmagorias tais como o fictício aquecimento global antrópico, ou, a forjada COVID-19.

Evidentemente não se pretende esgotar o assunto nestas poucas linhas. Nem disponho das credenciais para isso. Sou simples leigo católico apostólico romano, advogado com meio século de experiência em estudos variados. As minhas credenciais são, assim, limitadas. Mas, desde que o assunto “família” – apesar de supremamente vital – permanece no olvido geral, é necessário suscitar o debate e a meditação séria sobre ele.

Como se disse acima a sociedade contemporânea se encontra à beira do mais completo caos, A expansão da criminalidade, da toxicomania, dos litígios sobre os mais variados assuntos, as divergências insuperadas sobre temas sócio-econômicos e políticos, o lixo cultural asfixiante, tudo fala no sentido de uma indispensável reordenação.

É certo que todo este quadro provem de deficiências da alma humana. Mas, tais deficiências observáveis a nível individual, imediatamente se transmitem à instituição básica da sociedade, ou seja a família. E, no que consiste a família? Simples: na união entre o homem e a mulher. Logo na raiz da crise, ao lado das mazelas, se acham as relações entre os homens e as mulheres.

Se nos voltarmos para o histórico do processo de decadência veremos que se estendeu pelos últimos cinco ou seis séculos, ou até mais. Por qual motivo este processo letal não foi detido quando ainda era contornável? Penso que isso aconteceu porque não se atacou desde logo a origem do mal, com o que este se consolidou, e, se alastrou. Sob a perspectiva da Filosofia da História, o principal líder do catolicismo contemporâneo – refiro-me a Plínio Corrêa de Oliveira – traçou um retrato preciso do processo de destruição em seu livro Revolução e Contra-Revolução. Mas, ali ele se deteve nos aspectos religiosos, psicológicos, políticos e sociais do aludido processo sem adentrar no âmbito das relações familiares, e , mais especificamente, das relações relativas entre o homem e a mulher, e precisamente do casal. Pretendo abordar esta faceta da realidade neste e nos próximos artigos visando precipuamente a preservação da instituição da família, que como disse começa com um homem e uma mulher. É dispensável discorrer sobre os benefícios da família. Basta dizer que sem a família a sociedade não teria sobrevivido, não sobrevive e não sobreviverá. E, nenhum de nós sequer existiria.

Prossigo na redação abordando, inicialmente, algumas premissas indispensáveis, e procurando encadear os raciocínios segundo a melhor seqüência lógica. Adianto que meses atrás o assunto já me ocupava, mas como eu desejava obter uma conclusão segura fiz consulta a um grupo seleto de intelectuais católicos antes de expor a conclusão que eu já me achava esboçando. Não recebi resposta até hoje, o que demonstra as dificuldades do tema. Contudo, nesse meio tempo dei curso a meu propósito de esclarecer a questão, até que hoje me vi habilitado a escrever. As idéias-força do texto constam dos subtítulos.

INDISSOLUBILIDADE MONOGÂMICA: O PLANO DE DEUS

Ao criar o ser humano Deus teve como objetivo a indissolubilidade conjugal monogâmica. Sobre isso não podem existir dúvidas diante do conteúdo das Sagradas Escrituras. Entretanto, o pecado original, isto é, a desobediência de Adão e Eva obscureceu o plano divino, quando surgiu nossa inclinação para o mal ao lado de simultâneas tendências para o bem. Assim, algum tempo depois da Criação, a poligamia passou a contaminar alguns povos. Nem todos: ao que consta os romanos permaneceram rigorosamente monogâmicos, o que provavelmente explica a superioridade da civilização que surgiu em Roma, e a preferência apostólica pelo povo romano para a expansão do cristianismo. Os judeus, porém, em que pese terem sido escolhidos como o povo de Deus, aderiram à poligamia controlada (e, depois totalmente descontrolada pelo menos com o rei Salomão, que chegou ao número absurdo de setecentas mulheres e trezentas concubinas). Neste contexto se compreende porque o assunto não pode ser abordado a partir da tradição religiosa judaico-cristã, mas sim do Direito Natural, ou Lei Natural. Com efeito, os Dez Mandamentos só vieram a ser promulgados com Moisés, muito depois do surgimento do povo judeu, com Abraão.

O DIREITO NATURAL

Ao criar o mundo Deus estabeleceu leis de natureza diversa: físicas, químicas, biológicas, botânicas, zoológicas, cósmicas, e, também – para o homem – leis morais. Estas constituem o que se designa por Lei Natural ou Direito Natural. Se, as leis naturais não podem ser desrespeitadas sob pena das mais desastrosas conseqüências, o mesmo ocorre com a Lei Moral. Tome-se, por exemplo, a lei da gravidade: se alguém saltar do 30º andar de um edifício fatalmente morrerá com o impacto no solo. Contudo, por ter sido feito à imagem e semelhança de Deus o ser humano desfruta da liberdade, da qual pode usar bem ou mal. Se usar bem alcançará sua finalidade. Se usar mal sofrerá as penas adequadas a cada caso concreto, além da punição post mortem, no Purgatório, ou muito pior, no Inferno.

A POLIGAMIA

Entende-se por poligamia a união (casamento) entre um homem e mais de uma mulher. A poligamia não estava no plano de Deus, como dito acima. No entanto foi aceita por Deus, não se sabe bem por quais motivos, assunto sobre o qual estudos futuros deverão trazer maiores esclarecimentos. As especulações feitas até hoje são, a meu ver, insatisfatórias. A prova cabal e definitiva da aceitação da poligamia por Deus se encontra no procedimento dos patriarcas do Antigo Testamento, mormente do primeiro deles, Abraão. Tidos e havidos como homens exemplares, santos, não se compreende que tenham prevaricado. Considerando a imutabilidade da Lei Moral, entende-se, então, que a poligamia foi aceita como lícita para todo o sempre. Deus é imutável. Daí inexistir prova de que em determinado momento passou a proibir a poligamia. Esta, de fato, vem sendo coibida desde os povos pagãos (como os romanos) pelo mau uso de que dela faz a Humanidade. Mas, restringir e proibir são entidades abstratas diversas.

Prevendo a enxurrada de objeções a este primeiro artigo dedicado ao tema, paro por aqui, deixando para analisar as referidas objeções nos artigos que se seguirão. Advirto que não examinarei a poliandria (casamento entre uma mulher e vários homens) seja porque tem de ser visualizada em perspectiva diversa, seja porque o assunto tem muito menor interesse e nenhuma atualidade.
Por outro lado é indispensável destacar que a matéria está sendo abordada – em plano superior – o do ângulo filosófico (metafísico), e, não no âmbito do direito canônico, nem tampouco do direito positivo que reputa crime a bigamia, herança do estrabismo conceitual que vem prevalecendo durante séculos.

* O autor é advogado e pecuarista.
Jornal Nova Fronteira