Não fique tão perto de mim: perigo e contágio
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Não, o desenho de cima não é do Ministério da Saúde ou de algum site sobre o Covid 19. Essa ilustração é pega de um manual de Proxémica. Manual do que?

*Fabio Claudio Tropea

Não, o desenho de cima não é do Ministério da Saúde ou de algum site sobre o Covid 19. Essa ilustração é pega de um manual de Proxémica. Manual do que? Proxemica, sim você leu bem, é uma disciplina que nasceu nos anos 60 do século anterior e que hoje poderia nos ajudar a entender algo mais o que está acontecendo com essa maldita pandemia. A metade de caminho entre a antropologia e a ciência da comunicação, a Proxémica estuda a distância que as pessoas mantêm quando interagem e a presença ou ausência de contato físico. Edward Hall, o pioneiro dessa disciplina e inventor do termo, descobriu que no mundo inteiro existem diferentes tipos de distâncias que marcam diferentes situações comunicativas. Vou resumir simplificando. Íntima: todo indivíduo possui um território íntimo com direito exclusivo de uso, uma espécie de bolha transparente dentro da qual ninguém pode entrar sem ser, justamente, íntimo. Pessoal: a distância na qual se colocam familiares ou amigos para falar entre eles. Social: a distância que separa um advogado do seu cliente no escritório. E finalmente a distância pública, aquela que separa um cantor ou um político do seu público.

Os estudiosos de Proxémica sabemos que essas regras de distância se apreendem logo na vida, quase sem estudá-las. O livro mais famoso de E. Hall chama-se justamente “A linguagem silenciosa”, sublinhando como abraçar uma pessoa, lhe dar um beijo, ou apertar sua mão, saludar de longe com o braço, são todas regras que ninguém estudou formalmente, mas que todo mundo conhece. A epidemia viral derrota e destrói essas formas tão naturais e antigas de relacionarmos uns com outros. Agora, o nosso braço fica pendurado no ar porque queria cumprimentar o outro num apertão de mão e não pode. E a gente termina as conversas no whatsapp com um amigo dizendo “Obrigado, abraço”, sendo que a pandemia fez muito estranha essa expressão, esvaziou seu sentido corporal por a proibição absoluta de abraçar ditada pela ameaça do vírus. Todo conhecido e amigo é agora fonte potencial de contágio, não obstante a comunicação humana é sobre todo (65%) corporal. O medo instintivo (e interesse morboso) que provamos para o assunto da epidemia é justamente essa radical transformação da nossa comunicação social. E as noticias sobre a epidemia fazem aumentar dramaticamente esse medo atávico: “O contato com as mãos têm que ser evitado”, “A distância mínima entre pessoa há de ser um metro, melhor se dois”, “O espaço fechado do bar e da academia é o pior e o mais contagioso”, “Jogos de futebol, shows e até salas de aula são extremamente perigosos”. Todo o mais genuinamente humano vira, como nos piores dos pesadelos, fonte possível de contaminação e morte.

O segundo princípio importante da Proxémica é a origem profundamente cultural dessas regras espaciais da vida social. As regras das distâncias parecem naturais, porém estão ditadas pelas especificidades culturais de cada sociedade. Existem culturas de escasso contato corporal, como por exemplo a japonesa e a escandinava e vice-versa existem culturas que não só permitem se não que alimentam e favorecem esse contato, como a mediterrânea e a latina. Assim por exemplo, na Inglaterra está muito mal visto ser surpreendido chorando num enterro, e muito pelo contrário no Norte da África as pessoas choram ostensivamente e se abraçam constantemente. Aqui, a Proxémica ajuda a entender porque a pandemia ataca mais forte na Itália, no Brasil, no Equador, ou nas cidades do litoral mais que naquelas do interior (Guayaquil mais do que Quito). Em todos esses lugares, as culturas comunicativas são muito mais corporais que em outros, maior a presença de espaços comuns e mais forte é a dificuldade de se ter que reprimir do abraço, a festa, a aglomeração. Não é ignorância, é tradição cultural diferente. E ficar em casa custa mais em Recife, onde prevalece uma cultura de rua e boteco que na Islândia, onde as pessoas passam meses e meses, no inverno gelado, sem sair de casa.

Um capítulo a parte seria falar da importância dos meios de comunicação nessa triste narrativa viral do medo e a informação, mas o espaço ficou curto para tratar esse tema. Deixamos para outro artigo essa matéria. Abraço.

* Semiólogo, escritor, palestrante e analista das linguagens da comunicação, graduado em Sociologia e Jornalismo em Urbino (Itália) e doutor em Comunicação na Universidade Autónoma de Barcelona, Espanha. Contato: fabioclaudiotropea@g.mail.com
Jornal Nova Fronteira