Kamikases, Cavaleiros e General Corajoso
  • Compartilhe:

Em outras épocas o heroísmo despertava admiração e veneração. Nos dias de hoje, porém marcados pelo utilitarismo e pelo hedonismo materialistas desperta repulsa ou desprezo. Mas, vivemos em época de total inversão de valores

Ronaldo Ausone Lupinacci*

Em outras épocas o heroísmo despertava admiração e veneração. Nos dias de hoje, porém marcados pelo utilitarismo e pelo hedonismo materialistas desperta repulsa ou desprezo. Mas, vivemos em época de total inversão de valores, na qual o prazer, o divertimento, o enriquecimento absorvem as mentalidades sem ideais.

Não deveria ser assim porque o herói, ou seja aquele que se sacrifica pelo bem comum, merece o apreço da sociedade em cujo benefício atuou ou se imolou. Atualmente, os exemplos de heroísmo surgem entre os bombeiros e os policiais militares, e, em alguns países, como a Ucrânia e Israel, entre os membros das respectivas Forças Armadas.

No Japão, no final da segunda Grande Guerra (1938-1945) surgiram os kamikazes ou camicases que eram soldados pilotos de avião cuja missão residia em destruir os navios dos Aliados, principalmente os porta-aviões. Tiveram considerável êxito, apesar das inevitáveis baixas posto que afundaram mais de cem (100) navios adversários, e danificaram outros mais de 300, sem falar nas mortes que causaram, que só dentre os norte-americanos chegaram a mais de 10.000 (dez mil). Os pequenos aviões camicases voavam a baixa altura e carregavam grande quantidade de explosivos. Eram dirigidos para colidir com os navios e destruí-los no impacto.

A estratégia camicase foi desenvolvida quando o Japão já se achava bastante fragilizado, mas se pode supor que veio a provocar os Estados Unidos para lançarem as bombas atômicas contra as cidades de Hiroshima e Nagasaki, uma vez que os danos causados pelos camicases colocavam em risco a vitória dos norte-americanos na guerra. Em tradução livre camicase significa “vento divino”, expressão cunhada pelos nipônicos séculos antes, durante o conflito mantido com os mongóis.

Há no assunto um problema moral relevante porque o suicídio constitui pecado gravíssimo. Mas, teriam sido suicidas os camicases? Ou, apenas patriotas que se sujeitavam a morrer pelo bem de seu povo? Confesso carecer de certeza para opinar porque, se de um lado a morte do aviador camicase era praticamente certa (apenas 1, entre milhares se salvou), de outro o objetivo não era o de morrer, mas destruir o adversário, mesmo à custa da própria vida.

Apesar do cunho pejorativo que passou a girar em torno da palavra camicase – indicando loucura ou obstinação extrema – o fato é que o vocábulo, com o tempo, veio a designar metaforicamente as ações das mais ousadas. Assim é que Plínio Corrêa de Oliveira, o principal líder leigo católico do século passado escreveu artigo com o título “Kamikaze” para a Folha de São Paulo (em 15-02-1969) visando comparar a conduta dos aviadores japoneses ao seu livro “Em Defesa da Ação Católica”. Explicou Plínio que o lançamento do livro explodiria nos meios católicos como uma bomba, e, ou pulverizaria o modernismo-progressismo nascente ou destroçaria seu próprio grupo (como ocorreu) porque àquela altura a Igreja Católica já se achava consideravelmente corrompida. Entretanto, os estragos feitos no campo adversário (do modernismo-progressismo) foram tais que a esquerda católica até hoje disso se ressente.

Houve na Idade Média uma ordem de cavalaria que, além dos votos habituais dos monges-guerreiros (obediência, pobreza e castidade), impunha um quarto voto, dificílimo, consistente de jamais recuar no combate por piores que fossem as condições da guerra. Estes cavaleiros deram fantásticos exemplos de coragem, além do que levavam o terror aos respectivos inimigos. Então teriam sido “camicases” aqueles cavaleiros cristãos que não podiam fugir mesmo diante da quase certeza da morte? Não me parece.

Escrevi este texto pensando nos brasileiros deste século XXI tão avessos à luta e ao heroísmo que veem a Pátria sob o risco de soçobrar, e, contudo não se mexem. Estaria eu, então, sugerindo que os brasileiros patriotas se transformem em “camicases”? Não. Prefiro que imitem os cavaleiros cristãos acima mencionados, não recuando nunca na guerra psicológica em curso.

Durante a guerra movida por Napoleão contra os católicos da Vendeia (região da França) notabilizou-se um jovem general, o conde (ou marquês) Henri De La Roche Jacquelin cujo lema para seus comandados era: “Se eu avançar, sigam-me; se eu vacilar, transpassem-me; se eu cair, vinguem-me!”. De fato veio a morrer, depois de vitórias improváveis em mais de uma dezena de batalhas, mas deu inigualável exemplo de bravura. Dirá alguém que o heroísmo do jovem general (tinha apenas 20 anos de idade) se revelou inútil. Engano: a epopeia dos vandeanos sustentou a resistência contra a criminosa Revolução Francesa por quase um século, só findando com a política entreguista do Papa Leão XIII conhecida por “ralliement”. Aliás, se dizia no ambiente das casernas que a visão de cadáveres de generais pelos subordinados elevava o moral da tropa. Mas, generais que iam ao campo de batalha, como De La Roche Jacquelin. Onde os encontrar hoje?

*O autor é advogado e pecuarista.
Jornal Nova Fronteira