A virtude da Caridade, fundamento da paz
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Os comentários desfavoráveis que faço, nesta coluna, a inúmeros fatos da atualidade têm um denominador comum, ou seja, a crise das almas, que gera ou estimula todas as demais anomalias contemporâneas. E, infelizmente, são poucos os fatos causadores de júbilo ou admiração merecedores de comentários. Não se trata de pessimismo, e sim de resultado da observação objetiva e fria da realidade.

Ronaldo Ausone Lupinacci*

Os comentários desfavoráveis que faço, nesta coluna, a inúmeros fatos da atualidade têm um denominador comum, ou seja, a crise das almas, que gera ou estimula todas as demais anomalias contemporâneas. E, infelizmente, são poucos os fatos causadores de júbilo ou admiração merecedores de comentários. Não se trata de pessimismo, e sim de resultado da observação objetiva e fria da realidade.

A Humanidade está convulsionada. Em primeiro lugar por guerras que ocorreram em passado recente (nas ilhas Malvinas, no Iraque), que estão em curso (na Síria, na Ucrânia), ou, que nunca terminam (entre Israel e seus vizinhos). Além das guerras, as guerrilhas (Colômbia, Filipinas) e atentados terroristas (França, Inglaterra, Nigéria, principalmente) evidenciam um ambiente de conflitos danosos e ameaçadores. Ademais, para além das ações bélicas, pululam contenciosos comerciais, ameaçando a convivência harmônica entre povos. Proliferam em grande parte do planeta as divergências no seio das famílias, a partir de onde se irradiam na sociedade.

Além das guerras, se olharmos para o interior de incontáveis países veremos a explosão da criminalidade, através do tráfico de drogas, latrocínios, assassinatos, furtos e fraudes das mais variadas, como as que se ocultam a corrupção nos Estados e nas atividades privadas. O aborto, que é assassinato, foi legalizado em boa parte do Ocidente e do Oriente. Ao mesmo tempo, deformações do comportamento (homossexualismo, pedofilia, racismo) retratam bem a degradação moral que se generalizou. As legítimas liberdades são cerceadas e a propriedade desrespeitada não só pelo Estado, mas pelos indivíduos.

Diante do cenário acima – muito sumariamente traçado – se impõe a pergunta: é normal que a Humanidade sobreviva indefinidamente em condições tão precárias? Foi sempre assim no passado? Poderá ser muito diferente, ou seja, existe um caminho para que a paz e a ordem prevaleçam? Tenho a certeza de que a mudança da situação é possível, desde que a sociedade humana mude radicalmente de rumos. Não vou analisar o passado, quando houve extensos períodos de normalidade e de paz na vida de muitos povos. Nem fazer prospecções acerca do futuro. Quero aqui me restringir ao exame das causas das convulsões que afetam desde as microssociedades (as famílias, as escolas, as empresas) até as relações internacionais.

Diz a Teologia da História que as guerras são consequências dos pecados. Saindo das guerras para as confrontações de dimensões diminutas, como as que ocorrem nas famílias, penso que se pode dar o mesmo diagnóstico. São os pecados que impelem os seres humanos aos conflitos. E no que consistem os pecados? A resposta é simples: em violações da Lei de Deus, dos Dez Mandamentos ditados a Moisés, cujo conhecimento se dá, também, pela Lei Natural, através da razão.

Para que se compreenda bem este assunto é necessária noção clara do pecado original, vale dizer da tendência inata do ser humano para o mal, e, que convive, paralelamente, com tendências para o bem. Assim, pela liberdade podemos escolher ou o bem ou o mal. Para se fixar no bem é indispensável o amor de Deus, exatamente o conteúdo do primeiro Mandamento. Conteúdo que se completa pelo amor ao próximo, por amor de Deus. Em síntese, o comportamento humano depende essencialmente da religião, que consiste nas relações entre os humanos e Deus.

Santo Agostinho nos deu imagem da sociedade perfeita em seu livro intitulado “A Cidade de Deus”, que consta ter inspirado o imperador Carlos Magno, um dos pilares da Civilização Cristã Ocidental. Na cidade de Deus deve preponderar a caridade, isto é, o amor ao próximo por amor de Deus. De passagem, anoto que a noção de caridade se acha distorcida pela única acepção de dar esmolas, quando na verdade encerra conteúdo muitíssimo mais amplo posto que deva reger todo o nosso comportamento do dia a dia, em casa, na escola, no trabalho, no lazer enfim em todas as atividades sociais.

Porém, a caridade não sobrevive em almas voltadas para a cobiça, o ódio, a fraude, a avareza, a ira, a soberba, a inveja, a luxúria e tantos outros defeitos. E, daí surgem as desinteligências entre indivíduos, grupos sociais e povos. Desaparece a concórdia e sem ela a paz perece.

Mas, se formos indagar veremos que um número ínfimo de pessoas afirma ser ateu. Ao mesmo tempo vemos crimes dos mais hediondos se originarem da religião, como são os atentados praticados por terroristas muçulmanos, ou pseudocatólicos (do IRA, na Irlanda) . No passado já crimes dos mais execráveis eram praticados em nome da religião, como, por exemplo, os sacrifícios humanos realizados pelos pagãos. Por aí se vê que as religiões falsas podem conduzir ao crime, e a multiplicação dos crimes enterrar a paz. E, mesmo a religião católica, se pervertida, induz ao crime. É o caso do assassinato de Santa Joana D’Arc, condenada como feiticeira e queimada pela iniciativa de um bispo traidor (Pierre Cauchon). Isso acontece porque a essência da religião está na vida interior, ainda que as práticas exteriores a complementem.

A temática acima, extremamente resumida, pode ser melhor entendida com o livro do abade Dom Jean-Baptiste Chautard intitulado “A Alma de Todo o Apostolado”, obra escrita para orientar sacerdotes, mas que, com as adaptações adequadas, educa eficientemente os leigos (http://comunidadefidelidade.com/livro-a-alma-de-todo-apostolado/). A lição de Dom Chautard dá ênfase, exatamente, à vida interior, vale dizer a religião praticada com sinceridade e pureza de intenções, no interior do coração.

É preciso salientar que os povos pagãos observadores da Lei Natural (ou Direito Natural) – enquanto a observaram – conservaram a paz, ou ao menos a paz interna. Obedeciam ao mandamento de não fazer ao próximo aquilo que não queriam que se lhes fizesse. Ou, segundo a fórmula dos romanos, seguiam a tríplice regra: a) viver honestamente; b) dar a cada um o que é seu; c) não lesar a outrem¹.

* O autor é advogado e pecuarista.

¹Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere.

Jornal Nova Fronteira