HUMBERTO PINHO DA SILVA – Porto, Portugal
No domingo passado, ao subir a calçada dos Clérigos, deparei com o Silvério, velho amigo de meu pai.
Vinha cambaleante, pensativo, taciturno, amparando-se na esguia bengala de castão de bronze, adquirida nos anos sessenta, numa das raras viagens que fizera a Lisboa.
Estreitou-me ao peito, batendo rijamente com a mão direita espalmada, nas costas.
-“Que é feito de ti?” – perguntou-me.
Como respondesse com o formalistico: “tudo bem”, Silvério revelou-me a angústia em que vive, pelas “leis”, que ai vêem:
– “É o que te digo: se soubesse, quando era novo, o que sei hoje, não poupava um chavo!…
Passei quarenta anos a trabalhar! – Prosseguiu. – Poupava o que podia. Amealhava sempre. Nunca viajei: as minhas férias, eram na praia ou na aldeia, onde nasci.
Comprei a casinha, ainda solteiro. Melhorei, a que tinha na aldeia, e adquiri – já aposentado, – apartamento, na praia, visto o médico recomendar-me banhos de mar…
Agora, querem-me taxar, porque poupei! Vê lá tu! Diz-me: se vale a pena economizar?! Antes tivesse viajado por essa Europa. Desbaratado o dinheiro em hotéis e restaurantes…”
Como lhe dissesse que não acreditasse em tudo que dizem, repostou, levemente irado:
– “Querem taxar até o Sol! Em Portugal, só se pode ser rico ou pobre. Os remediados, sempre foram espoliados! …
Trabalhei, para ter vida mais tranquila… e agora é o que se vê! …
Os ricos, aferrolham o dinheiro, no estrangeiro. Mas nós?; onde vamos guardar o que poupamos? No banco? Não rende… e até nos tiram o pouco que temos…
– Acredita: estou arrependido. Antes o tivesse gasto em divertimentos…
Dizem que sou rico! Porque poupei e tenho três casas! …”
– É preciso ter paciência… Vai ver que não é bem assim, como dizem…” – objectei, no intuito de o acalmar.
Mas, Silvério, quase a chorar, continuou:
– “Olha: como subiram as contribuições! … ( IMI). Subiram, quando as casas valem quase metade do preço justo! …Parece que têm inveja, de quem poupa!…”
Tínhamos chegado à Praça dos Leões. Silvério enveredou para Cedofeita. Acompanhei-o até Carlos Alberto.
Junto ao monumento do soldado desconhecido, apertou-me a mão, com força, e, apontando com o indicador, a estátua de Henrique Moreira, disse-me:
– “Estes já lá estão!… Em breve para lá vou!…”
E balanceando, sempre amparado na sua bengala, caminhou pela rua fora…
Será que o Silvério tem razão?