O “SISTEMA” E O PETISMO SEM PT
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Durante as décadas de 60 ou 70 do século passado (não me lembro bem), comentaristas políticos por vezes utilizavam a palavra “sistema” para aludir a uma entidade misteriosa que regeria os governos militares

Ronaldo Ausone Lupinacci*

Durante as décadas de 60 ou 70 do século passado (não me lembro bem), comentaristas políticos por vezes utilizavam a palavra “sistema” para aludir a uma entidade misteriosa que regeria os governos militares, nos bastidores do Poder. Segundo eles, era o “Sistema” quem ditava as regras postas em prática pelos dirigentes visíveis. As referências me intrigavam porque o tal “Sistema” era, a meu ver bem mais antigo, muito anterior aos governos militares…

Com o tempo as menções ao “Sistema” desapareceram, mas tudo fazia acreditar que ele continuava vivo, bem vivo, conquanto mudasse de roupagem ou de cor, como os camaleões. De verde oliva foi se tornando cada vez mais róseo, principalmente a partir do governo Geisel. E, continuou sua trajetória, sempre mais próximo do vermelho, a partir da Nova República.

Naquela mesma época (anos 60) surgiu a expressão “janguismo sem Jango” para designar os rumos que os fatos estavam tomando, já no governo do Marechal Castelo Branco. Com efeito, um editorial, creio que do jornal “O Estado de S. Paulo”, acusou os governos militares de terem transformado em realidade alguns dos principais projetos de João Goulart (o “Jango”), desde a reforma agrária, passando pelo intervencionismo na economia, pela estatização, até a guinada à esquerda na política externa, com a aproximação à China (comunista) e o distanciamento de Formosa (China Nacionalista). Com certeza, orientação do “Sistema”…

Agora, ao me deter na análise dos fatos que precedem o segundo turno das eleições presidenciais me veio à lembrança o fantasma do “Sistema”. Mas, antes de explicar o motivo da recordação, cumpre examinar os fatos.

A chamada “Nova República”, inaugurada por Sarney com o fim dos governos militares, procurou acelerar a marcha do Brasil para a esquerda. Prova cabal desta afirmação se vê na Constituição de 1988, aprovada após o estelionato eleitoral de 1986. Tais diretrizes nortearam os governos que se sucederam, sobretudo a partir da ascensão de Lula ao cargo de supremo mandatário do país.

O Partido dos Trabalhadores nasceu do conúbio entre agrupamentos marxistas e a esquerda dita “católica”. Mas, para o grande público, nunca se deu muita ênfase à sua filiação ideológica. Apresentava-se como o único partido político submisso à ética, ao lado de aspirações filantrópicas destinadas a favorecer as parcelas mais pobres e necessitadas da população, como os trabalhadores rurais, os operários, os índios e os negros.

Ao longo de mais de uma década de mando – de Lula a Dilma – aquela falsa imagem foi se desvanecendo, por diversos motivos. Em primeiro lugar quanto à ética. O episódio do “Mensalão”, seguido de inúmeros outros relacionados à corrupção, até o recentíssimo escândalo envolvendo a Petrobrás, corroeu a confiança daqueles que depositavam no PT anseios de moralização nos ambientes políticos. A hipocrisia enfureceu incontáveis antigos eleitores do partido, dentre os quais amigos e parentes meus. Ao mesmo tempo, permaneciam insolúveis mazelas dos serviços públicos, em especial nos campos da saúde, da educação, da segurança pública, transportes públicos, logística, comunicações. A economia começou a desandar, e, a ameaça da inflação reapareceu, embora timidamente, por enquanto. O risco de desemprego, inerente à estagnação econômica consequentemente voltou a preocupar.

Outra camada da população, mais voltada a temas ideológicos, expandiu-se com a férrea oposição a ações do governo adotadas tanto no plano interno, como no externo, quando foram ficando evidentes as afinidades entre o PT e o comunismo. No âmbito interno, causaram aversão aos centristas e direitistas o apoio a associações subversivas, como o MST, à guerra de raças insuflada para azedar o convívio entre brancos, índios e negros, o Plano Nacional de Direitos Humanos, e, nestes últimos tempos, o “decreto soviético” que criou conselhos populares. Na política externa suscitaram indignadas reações as intervenções em Honduras e no Paraguai, a aproximação com Fidel Castro, Hugo Chavez, Evo Morales, e outros governantes comunistas. Para essa parcela da população ficou claro que o projeto do PT consiste em transformar o Brasil em sósia da Venezuela.

Integra o quadro de rejeição ao “lulopetismo”, ainda, o fator desgaste, atuando como agente de anemia em qualquer agrupamento político-partidário que permanece longo período no poder, mas frustra as expectativas do respectivo eleitorado. Aliás, cabe ressalvar que o fator desgaste atinge a classe política nacional como um todo, incluso o PSDB.

Todo esse conjunto convergiu para os protestos de junho de 2013, cuja tônica consistiu na exteriorização de profundo descontentamento da população em relação aos governantes. Era previsível que isso se refletisse nas eleições de 2014. Como, efetivamente, se refletiu.

Tomando os números da votação para a presidência da República verifica-se que Dilma Roussef obteve o apoio de, apenas, um terço do eleitorado, quase o mesmo número da soma dos votos em branco, dos votos nulos e das abstenções. Deixando de lado estas últimas diante das dificuldades de prospecção, e, considerando somente os votos categoricamente contrários ao governo (brancos, nulos, e dados a Aécio e Marina) constata-se que esta parcela corresponde a algo em torno de 48% do eleitorado, praticamente a metade. Mas, se o conjunto das abstenções não pode ser acrescido àquela porcentagem (inclui falecidos e impossibilitados de votar), se deve admitir que considerável fração dos absenteístas convictos se alinhe à oposição civil. Portanto, mesmo que Dilma venha a se sair vencedora no segundo turno – o que, se acontecer, se dará por mínima margem de votos – enfrentará desde logo o impacto do vagalhão anti-PT que se formou na sociedade civil, principalmente na classe média. Acresça-se a este fato, que considerável parcela do eleitorado do PT é interesseira: não sufragou a legenda ou seus candidatos em razão de convicções, ou de simpatias, mas pelo receio da supressão de benesses assistencialistas. Paralelamente, as urnas desmentiram os índices de “bom” e “ótimo” que os institutos de pesquisa atribuíam ao governo.

Há outro aspecto do resultado eleitoral, também de grande importância, e que se entrelaça com o cenário acima comentado.  Os observadores vêm chamando a atenção – e os números os amparam – quanto ao fortalecimento do conservadorismo na Câmara dos Deputados. Para esta conclusão convergem alguns dados sobre a votação expressiva: a) de candidatos adeptos de repressão mais eficaz à criminalidade, seja pela redução da maioridade penal, seja pela revogação total ou parcial do Estatuto do Desarmamento; b) de candidatos contrários ao aborto, ao homossexualismo e à liberação das drogas; c) de deputados ditos “ruralistas”, que se opõem à tirania ambientalista e a outras agressões ao direito de propriedade, mormente aos privilégios concedidos aos índios e à distorção do conceito de trabalho escravo. Àqueles dados se somam outros: a) redução considerável da bancada do PT, a menor desde 2002; b) redução da bancada do PMDB, paradigma da “democracia suja” definida por Arnaldo Jabor¹ ; c) queda pela metade da bancada sindicalista (de 83 para 46 deputados).

Neste cenário surgiu o acordo entre Aécio e Marina, pelo qual o primeiro se comprometeu a implementar propostas da segunda, tais como, por exemplo, a reforma agrária, e a continuidade da demarcação de terras supostamente indígenas ou quilombolas pelo Executivo. Ora, se Marina hoje se acha indisposta com o PT não é por razões doutrinárias. Vale dizer que ela continua tão esquerdista como dantes. E, foi isso que me trouxe a lembrança do “Sistema”.

A meta do “Sistema” foi e continua sendo caminhar para a esquerda, tanto quanto as circunstâncias o permitam. O notório enfraquecimento do PT, conexo à visceral aversão àquela agremiação partidária expressa pela maioria da população, se ergueram como obstáculos aos propósitos do “Sistema”. Era necessário achar uma saída para manter o petismo sem o PT. E a saída parece estar no acordo entre Aécio e Marina, para a hipótese de que Dilma não se reeleja. Talvez, o “Sistema” até prefira esta alternativa que, a se concretizar, provocará enorme decepção no eleitorado de Aécio e, mesmo, no de Marina. Teremos, então, o petismo sem PT, como já tivemos o “janguismo” sem Jango.

* O autor é advogado e pecuarista.

[1] http://oglobo.globo.com/cultura/fala-pmdb-1-11905792

Jornal Nova Fronteira