HOMEM DE PESO
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A história que vou contar, ocorreu nos anos cinquenta, sendo Presidente de Conselho o Prof. Doutor Oliveira Salazar.

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HUMBERTO PINHO DA SILVA – Porto, Portugal

A história que vou contar, ocorreu nos anos cinquenta, sendo Presidente de Conselho o Prof. Doutor Oliveira Salazar.

Nessa recuada época a polícia tinha autoridade e era respeitada.

Recordo, que certa manhã, ao atravessar fora da passadeira, quando ia para o liceu Alexandre Herculano, ouvi estridente assobio do guarda que permanecia no passeio fronteiro. Gesticulava o polícia avisando que não era local de passagem.

Imediatamente dirigi-me para a zebra, para não ter que pagar a multa. Na ocasião era de dois escudos e cinquenta centavos.

Era, também, nesse tempo, expressamente proibido sacudir: panos, tapetes ou cobertores, para a via publica.

Todos sabiam. Havia o cuidado, quando se sacudia o pano de pó, de verificar se existia guarda ou se passava alguém sob a janela.

Em casa de meu pai existia empregada – então criada, – que não se dava ao cuidado de verificar. Sacudia o pano de pó, mesmo sobre os transeuntes.

Tantas vezes prevaricou, que o guarda de serviço – nessa época havia em cada rua, um ou dois, que passeavam ao longo da via, – resolveu intervir.

Antes de autuar, consultou na mercearia, para se inteirar quem morava no prédio.

Informaram-no que era o senhor Mariozinho – homem de peso.

O guarda coçou a cabeça, engoliu em seco, reflectiu, e pigarreando, afastou-se vagarosamente.

Ria-se perdidamente, mais tarde, meu pai, ao recontar a caricata cena, depois que soube o modo como o polícia se portou, ao conhecer que na casa vivia     “homem de peso”.

– “Oitenta e seis quilos, que é quanto peso, valeu-me de multa. Como é bom ser homem de peso! …”

Mas não deixou de recomendar à cachopa, para não sacudir panos, sem olhar para a direita e esquerda, verificando se havia policia e se alguém passava por baixo.

-“É que desta vez valeu-me o peso…Mas como ando a fazer dieta, é melhor ter cuidado…”

Bom tempo em que se andava pela via publica sem medo. Os Cafés encerravam às duas da madrugada, e regressava-se a casa depois da última sessão de cinema, pachorrentamente…a pé.

As crianças, nas noites quentes de Verão, brincavam descontraidamente na rua, e nas noites de sábado, as famílias desciam à baixa para verem as montras. Era o passeio dos tristes.

Bom tempo em que havia respeito, sossego e paz.

Jornal Nova Fronteira