AVENTURA À VISTA?
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Os resultados das eleições gerais para a representação no Executivo e no Legislativo da União e das unidades federadas têm importância sob dois aspectos.

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Ronaldo Ausone Lupinacci*

Os resultados das eleições gerais para a representação no Executivo e no Legislativo da União e das unidades federadas têm importância sob dois aspectos. O primeiro é óbvio: conhecendo os vencedores, podemos discernir o rumo que darão aos seus mandatos. O segundo aspecto é bem menos perceptível, pois depende da difícil e cuidadosa análise dos resultados eleitorais, já que se destina esboçar uma “radiografia” do estado da opinião pública, visando prever o comportamento da sociedade em relação àquele rumo que irão tomar os dirigentes do Estado.

No artigo anterior (“O ‘SISTEMA’ E O PETISMO SEM PT”), procurei identificar os aspectos mais importantes – sob o ponto de vista das tendências da opinião pública – dos resultados do primeiro turno das eleições de 2014. Hoje me deterei nos resultados do segundo turno, para conjeturar acerca de seus prováveis reflexos futuros. Por isso, tanto quanto no artigo anterior, tomarei as quantidades e porcentagens dos votos na proporção do conjunto do eleitorado, desprezando o critério dos votos válidos, elemento numérico este que tem importância para determinar a vitória, segundo a legislação eleitoral, mas que carece de relevância para a análise do comportamento da sociedade. Aliás, o realce excessivo que se dá ao número de votos válidos, contribui para dificultar a referida análise, por abstrair o conjunto, e, por velar as diferenças das correntes de pensamento existentes na população.

Apresento, a seguir, o quadro-resumo dos resultados do segundo turno para a Presidência da República, a partir do qual serão desenvolvidos os raciocínios:

votos

O primeiro ponto a salientar, nos dados constantes do quadro, corresponde à votação de Dilma Roussef, por ter sido eleita, e, portanto, por ter obtido o mando pelos próximos quatro anos. Alcançou Dilma, no segundo turno, o apoio de 38,15% do eleitorado. Esta escolha reflete a adesão de uma minoria bastante numerosa, mas, de qualquer forma uma minoria. Se somarmos a opção pelo candidato Aécio Neves (35,73%), aos votos brancos e nulos (4,99%) se constata a existência de outra minoria, ainda mais numerosa (40,72%), contrária à candidata do governo. Tal como os resultados do primeiro turno, os dados acima permitem uma primeira conclusão: as simpatias a Dilma e ao governo são inferiores ao que apregoavam as pesquisas e a propaganda oficial. Aqui, novamente, ignorei as abstenções, embora bastante significativas, pela impossibilidade de identificar, com nitidez, a orientação daqueles que não votaram. De qualquer maneira os números deixam claro que qualquer um dos candidatos só poderia acenar com a existência de maioria a seu favor caso tivesse obtido mais de 50% dos votos, isto é, no mínimo 71.441.024 sufrágios, e nenhum deles esteve sequer perto disso. Em síntese, se extrai do resultado um estado de divisão no eleitorado, com ligeira vantagem para os adversários do governo e a existência de considerável parcela da população cujas preferências não puderam ser identificadas.

Mas, para compor o cenário com maior exatidão é necessário recorrer a dados que os números não mostram, e que dizem respeito ao dinamismo das motivações. Há um consenso quanto ao elevado peso, na votação de Dilma, do eleitorado beneficiado pelo assistencialismo das “bolsas”. Como há, também, consenso em conectar a grande votação de Aécio, somada aos votos em branco e aos nulos, ao descontentamento de grande parte da sociedade em relação ao governo, que emergiu com vigor nos protestos populares de junho de 2013. Tal reação adversa da opinião pública persiste, aliás, neste período pós-eleitoral, de modo a comprovar o mencionado dinamismo.

A pujança da oposição cívica se refletiu no crescimento surpreendente do número de votos dados a Aécio Neves entre o primeiro e o segundo turno das eleições. Enquanto Dilma, favorecida por toda a máquina do governo aumentou seu eleitorado em 11.233.450 de votos (+23,11%), seu concorrente alcançou aumento de 16.138.262 de votos (+ 47,10%). Esta elevação, a meu ver, evidencia que boa parte do eleitorado, mais do que sinalizar simpatias por Aécio, preferiu o “voto útil”, no desejo de derrotar o governo e sua candidata. Como, de resto, transpareceu com a meteórica ascensão de Maria Silva no período que antecedeu o primeiro turno. Diante do panorama delineado acima parece bem claro que o governo enfrentará muitas dificuldades, tanto mais porque o PT e seus aliados perderam cadeiras na Câmara dos Deputados, de modo que, além da oposição cívica, poderá se configurar também resistência parlamentar mais intensa, o que já começou com a revogação do decreto criador dos conselhos populares, além de outras discordâncias de menor envergadura.

Uma primeira dificuldade se colocará para o saneamento da economia. Serão necessárias medidas de austeridade, frequentemente mal recebidas pela população em qualquer parte do mundo. E isso, tanto mais aqui no Brasil, onde nos debates pré-eleitorais o governo quis pintar uma situação cor de rosa que não existia. Mas, o fator econômico não é o mais importante, nem mesmo na perspectiva do PT.

O Partido dos Trabalhadores, tal como seus assemelhados de orientação socialista ou comunista, difere dos partidos ditos burgueses. Estes visam o poder para exercê-lo (bem ou mal) segundo as regras do jogo. Por sua vez, os partidos sectários, como é o caso do PT, visam a utilização instrumental do poder para impor seus projetos utópicos igualitários e libertários e, assim, transformar o homem e a sociedade segundo seus desígnios. Ora, o desagrado com o governo federal, e, com o PT não se restringiu à administração desastrada da economia. Aflorou na sociedade resistência ideológica muito viva, traduzida por sinal, nos resultados eleitorais. O antagonismo, pelos dois motivos (econômico e ideológico), tenderá a provocar a derrota definitiva do PT nas eleições de 2018.

Se alguns porta-vozes do PT não economizaram bravatas e truculências verbais, apesar da apertadíssima vitória eleitoral, é muito provável que seus estrategistas sejam bem mais realistas. Quer dizer, decerto já anteviram os obstáculos que se apresentarão para a consecução dos mencionados projetos revolucionários. Resta saber, portanto, como se conduzirão. E, sobre isso por enquanto não surgiram elementos de raciocínio suficientes. A consulta popular através de plebiscito, para forjar uma reforma política tendenciosa, se mostra pouco factível. Ademais, os referidos estrategistas devem saber que o comportamento do eleitorado em tais situações pode trazer grandes surpresas, como ocorreu com o referendo sobre a posse de armas de fogo.

Há algo no ar, entretanto, que inquieta bastante. Vêm surgindo fortes indícios da montagem de grande ofensiva revolucionária, em escala mundial, contra o capitalismo, alimentada por três frentes principais: a) na doutrina econômica, pela difusão das teses de Tomas Piketty, segundo as quais o capitalismo fatalmente cria um fosso entre ricos e pobres; b) no terrorismo midiático catastrofista, sobre o suposto aquecimento global, alardeado por correntes de pensamento ambientalistas-ecologistas desejosas da “desconstrução” (a palavra está na moda) da civilização industrial; c) a religiosa, comandada a partir do Vaticano, sob os pretextos de combate à pobreza e às desigualdades sociais. As três carregam combustível para arrastar o mundo ocidental a grandes convulsões. Residirão nelas as esperanças dos revolucionários brasileiros, cuja força política mais poderosa se concentra no PT?

Pode ser que sim, como única alternativa para uma grande aventura. Entre a aventura e a derrota em médio prazo, optarão o PT e seus sequazes por aventura de feitio “bolivariano”?  Estarão resignados a perder o poder, segundo as regras da democracia liberal, perda esta que desde 2002 vem se mostrando cada vez mais próxima e inevitável? Só os acontecimentos futuros, internos e internacionais, permitirão dizer, com segurança, se haverá opção pela aventura ou não. Se houver, todavia, teremos de estar preparados para enfrentá-la.

* O autor é advogado e pecuarista

Jornal Nova Fronteira