UM DITADOR CAMUFLADO
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Havia nos anos setenta, sindicalista que se tornou gerente da área comercial de importante empresa.

humberto

HUMBERTO PINHO DA SILVA – Porto, Portugal

Havia nos anos setenta, sindicalista que se tornou gerente da área comercial de importante empresa.

Era jovem e ambicioso. Sempre que participava em reuniões ou cursos de reciclagem, punha-se em bicos de pés e botava faladura.

Como tinha sempre argumentos para rebater as ideias dos colegas, ninguém o contrariava. Uns, porque temiam a voz de bordão; outros, porque sabiam que, como esquerdista, em época revolucionária, era melhor tê-lo como camarada amigo.

Certa ocasião, o sindicato decretou greve. O nosso sindicalista, agora na função de representante da empresa, furou-a, esclarecendo que estava com os trabalhadores…mas como chefe não convinha faltar…

Levantaram-se vozes de censura, algumas de militantes de seu partido, mas a maioria eram de direitistas, que resmungavam em surdina, porque temiam represálias.

No dia da greve, alegando que era “política” e pretendia apenas derrubar ou dificultar o governo, alguns empregados apresentaram-se ao serviço.

Eram poucos. Como sempre, a maioria prefere aderir, mormente quando percebe que os dirigentes são favoráveis à greve.

Trabalhador honesto, apolítico, pai de família, entrou na empresa e apressou-se a marcar o ponto.

Mal começara a ler os documentos pendentes, sentiu que o observavam por cima dos ombros

Voltou-se e encarou o chefe, que sorrindo, disse-lhe num cicio irónico:

– “Depois queres receber prémios! …”

Engoliu em seco e desculpou-se – que o dinheiro fazia-lhe falta e não podia dispensar a quantia …

Escusado é dizer que o infeliz, apesar da dedicação e lealdade, não recebeu qualquer prémio, e o castigo durou anos…

Este episódio, bem demonstrativo da pouca democracia que se vivia na época, foi-me contado por amigo, para confirmar o que eu já sabia: muitos que pedem justiça e liberdade, não passam de ditadores dissimulados.

Diz bem o povo “Quem quer conhecer o vilão, meta-lhe a vara na mão”. E pode-se dizer também – Se quer conhecer o ditador meta-lhe o poder na mão.

Há sindicalistas e políticos honestos, mas, em regra, o povo não os elege, porque honradez e falar verdade, raras vezes atrai a simpatia dos eleitores.

Este antifascista, segundo me contaram, certo dia, após comezaina com camaradas, declarou: – “Eu levo qualquer um…A malta não passa de carneirada! …Com inflamados discursos e mentiras, ficam todos na palma da minha mão! …”

Não disse mentiras…

Jornal Nova Fronteira