“PROBLEMAS DO BRASIL”, “CONSENSO MÍNIMO”, E “ARTE DO POSSÍVEL”
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Durante muito tempo fui avesso a títulos e subtítulos longos para os escritos em geral (livros, matérias jornalísticas, etc.), talvez, pela dificuldade em reter na memória mais de uma ideia ao mesmo tempo, ou, do esforço exigido para associá-las. Refletindo sobre o assunto, pareceu-me, no entanto, que a justaposição de ideias em títulos ou subtítulos por vezes facilita ao leitor conectá-las e extrair conclusões.

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Ronaldo Ausone Lupinacci*

Durante muito tempo fui avesso a títulos e subtítulos longos para os escritos em geral (livros, matérias jornalísticas, etc.), talvez, pela dificuldade em reter na memória mais de uma ideia ao mesmo tempo, ou, do esforço exigido para associá-las. Refletindo sobre o assunto, pareceu-me, no entanto, que a justaposição de ideias em títulos ou subtítulos por vezes facilita ao leitor conectá-las e extrair conclusões. E, por isso, abri exceção neste texto. Adicionou-se outro motivo: numa das conversas com o saudoso Vinicius Azzolin Lena, dizia-me ele que meus artigos não se dirigiam ao “povão”, observação verdadeira, porque sempre foi meu intuito dialogar com aquela seleta parcela da sociedade constituída pelos formadores de opinião, isto é, a elite pensante dos leitores de um jornal, como é o “Nova Fronteira”. É da elite pensante que brotam os rumos de qualquer Nação. E, este artigo é voltado muito principalmente para os formadores de opinião.

Lembro-me que desde menino ouvia, nas conversas dos familiares mais velhos, constantes referências aos “problemas do Brasil”. Meu saudoso pai, frequentemente, aludia à “falta de indústria de base”. Outros priorizavam o analfabetismo, a dependência de importações, sobretudo do petróleo. O tempo foi passando, e, continuavam as especulações sobre os “problemas do Brasil”. Já adolescente, comecei a palpitar em tais conversas, sempre com as limitações inerentes à imaturidade, à inexperiência e à desordem mental generalizada que afetava adultos e jovens. E, os “problemas do Brasil” persistiam nas preocupações, algumas antigas, outras novas, que foram surgindo ao longo do tempo: carência de mão de obra especializada, violência urbana, inflação, estatização, tributação, corrupção e tanta coisa mais. As referências aos tais problemas, além das conversas, ocupavam rotineiramente a mídia, o que se observa até os dias de hoje. Ainda no último sábado, assistindo ao Globo News Painel, que quase sempre aborda os “problemas do Brasil”, ouvia três entrevistados discorrerem sobre um “problema do Brasil” atual: o descrédito que atingia a classe dirigente, passou, nos últimos tempos, a contaminar o apreço pelo próprio regime democrático representativo.

Entretanto, eu já havia, desde os tempos de universitário, formado a convicção de que o principal “problema do Brasil” (e, não só do Brasil, mas de todos os países, em medida maior ou menor) residia na profunda crise religiosa e moral do mundo contemporâneo, cujos nefastos efeitos se espargiam para a cultura, para a política, para a economia, enfim para todos os campos da ação humana. Entretanto, não conseguia, analiticamente, estabelecer a cadeia de elos entre aquela deficiência básica e seus desdobramentos particularizados, até os assuntos mais banais.

Recentemente, no percurso que faço pelo noticiário, deparei-me com artigo – como sempre bem escrito por Péricles Capanema¹ – em que ele lançou uma luz em minhas dificuldades de intelecção. Ao reproduzir parte de outro texto, escrito nos já distantes idos de 1932 pelo então jovem líder católico Plínio Corrêa de Oliveira, eleito no ano seguinte como o deputado mais votado no Brasil, para compor a assembleia que elaborou a Constituição de 1934, Capanema ajudou-me a avançar nos raciocínios.

Dizia Plínio há 84 anos atrás:  “Já que tanto se fala em renovação, seja na política, seja nas leis, seja na economia nacional, é tempo que se cuide da renovação fundamental de que o Brasil carece, isto é, a renovação da mentalidade pública. Quebrada a unidade de pensamento estabelecida pela Igreja Católica na Idade Média, a diversidade de tendências religiosas e filosóficas foi gradualmente tomando tal incremento, que a anarquia triunfou completamente no domínio da vida intelectual. […] O Brasil sofre a tal ponto das desastrosas consequências desse mal, que é impossível constituir-se hoje uma grande corrente de pensamento que seja capaz de se concentrar em um programa completo de reorganização nacional. É frequente presenciar pontos de vista radicalmente inconciliáveis defendidos por uma mesma pessoa com igual calor […] conservadores socialistas, os comunistas que desejariam a abolição da propriedade e a manutenção da família, os liberais socialistas, os reacionários liberais etc. […] Enquanto subsistir esse caos no mundo do pensamento, será absolutamente impossível instituir uma ordem durável no domínio da política e da economia.”

As palavras acima, postas em trecho conciso, mereceriam exame pormenorizado. Na impossibilidade de fazê-lo, retenho, apenas, algumas ideias básicas: “a renovação fundamental de que o Brasil carece (…) é a renovação da mentalidade pública (…)”, pois “a diversidade de tendências religiosas e filosóficas foi, gradualmente, tomando tal incremento, que a anarquia triunfou completamente no domínio da vida intelectual”, pelo que era (e, continua sendo…)“ impossível constituir-se hoje uma grande corrente de pensamento (…), capaz de se concentrar em um programa completo de reorganização nacional”. Em seguida, como está transcrito, Plínio Corrêa de Oliveira apontou as contradições mais disparatadas que conviviam no ambiente de então, e, até na cabeça de uma mesma pessoa. Contradições que se acentuaram de lá para cá.

Meditando sobre tudo o que está escrito acima, veio a dúvida: então o Brasil não tem saída sem a unidade de pensamento, de impossível obtenção imediata? Realmente, o “programa completo de reorganização nacional” mencionado por Plínio Corrêa de Oliveira se mostra inexequível no caos hodierno. Contudo, para qualquer ideal ou projeto há um começo. E, nesta altura me veio à memória o que se sucedeu com os Estados Unidos da América na época de sua luta pela independência.

Aquele território era dominado pela Inglaterra e foi sendo ocupado por imigrantes oriundos de diversas paragens, principalmente os próprios ingleses, irlandeses, escoceses, franceses, holandeses e alemães, muitos dos quais fugitivos das perseguições religiosas que existiam na Europa. Tais ocupantes, afora as diferentes origens nacionais e culturais, professavam vários credos religiosos provindos das divisões que a Revolta Protestante trouxe para a antiga Cristandade (anglicanos, presbiterianos, batistas, luteranos, puritanos e outros). Formavam as Treze Colônias controladas pela Inglaterra, e constataram que necessitavam se unir para alcançar a independência, e, para depois dela sobreviver. A guerra da independência sustentada contra a Inglaterra agravou ainda mais a difícil situação econômica que já enfrentavam, piorada pela tributação confiscatória. Este cenário estava, ademais, poluído pela pregação das ideias iluministas e suas projeções republicanas, de forma a desagregar ainda mais aquele conjunto tão heterogêneo. Mas, sobreveio o bom senso, que se materializou em “consenso mínimo”, expresso na Constituição de 1787, escrita com apenas seis artigos. Graças àquele consenso mínimo os Estados Unidos progrediram lentamente, e, se tornaram a Nação mais rica e mais poderosa do planeta.

Otto Von Bismarck (1815-1898), político e diplomata prussiano de inclinações revolucionárias foi, todavia, um homem profundamente reflexivo, o que o levou a enunciar inúmeras frases que ficaram famosas. Dentre tantas, aquela sobre o paralelo entre as leis e as salsichas, ou sobre a proliferação de mentiras (antes das eleições, durante uma guerra e depois de uma caçada). Dele também é a lição de que a política não é uma ciência, mas “a arte do possível”.

As enrascadas que o Brasil veio se metendo ao longo do tempo, principalmente as últimas, causadas por sucessivos governos do PT, nos levaram a esta triste situação de dependermos da “arte do possível”, e, de restringir drasticamente nossas metas no momento, tão somente a um parco “consenso mínimo”, indispensável para a sobrevivência, como o fizeram os norte-americanos na época de sua independência, para sair do atoleiro em que estavam afogados. Ainda que maximalistas nos ideais e nas metas, temos de ser realistas na práxis.  Em próximo artigo farei um esboço do consenso mínimo, com especial advertência para os “consensos” velhacos tão comuns em nossa vida pública.

¹“Prefeitos e vereadores goela abaixo”, em http://ipco.org.br/ipco/57491-2/?

Jornal Nova Fronteira