Pecuária ameaçada
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Em 15 de dezembro último a Folha de S. Paulo, na coluna de Mauro Zafalon, publicou notícia preocupante. Nela reproduziu prognóstico do especialista Maurício Palma Nogueira segundo o qual a criação de gado bovino enfrentará sérias dificuldades no futuro imediato, com reflexos negativos previsíveis na área social . A reportagem diz, em síntese

Ronaldo Ausone Lupinacci*

Em 15 de dezembro último a Folha de S. Paulo, na coluna de Mauro Zafalon, publicou notícia preocupante. Nela reproduziu prognóstico do especialista Maurício Palma Nogueira segundo o qual a criação de gado bovino enfrentará sérias dificuldades no futuro imediato, com reflexos negativos previsíveis na área social . A reportagem diz, em síntese, o seguinte: 1.º) nos próximos cinco anos serão desocupados cerca de trinta milhões de hectares de pastagens; 2,º) destes, apenas seis milhões de hectares seriam aproveitados pela agricultura; 3.º ) portanto, grande parte das áreas desativadas com a criação de gado tenderá a retornar ao estado de vegetação nativa. Esta desocupação resultará na saída da atividade de pecuaristas que não conseguirem equilibrar seus níveis de produção, e, consequentemente, seus lucros.

O mesmo Maurício Palma Nogueira já havia traçado tal cenário, quando em matéria veiculada pela revista DBO Rural, no anuário de 2017, analisou as modificações ocorridas nas últimas décadas, com ênfase para a elevação da produtividade, que saltou de pouco mais de uma arroba e meia de carne por hectare para perto de quatro arrobas por hectare. E, a produção de uma e meia arroba por hectare só cobre (se é que cobre) o custo no sistema extensivo-extrativista baseado em pastagens nativas.

Na raiz da questão se coloca o preço da arroba. Em livro recentemente publicado (“Economia da Pecuária de Corte”), Ivan Wedekin mostra que a ascensão dos preços se iniciou por volta do ano de 1960, atingiu seu pico em 1979, e, daí em diante passou a declinar, chegando ao piso em 1994, com o Plano Real. De lá para cá, ou seja, desde quando baixou até patamar inferior ao ano de 1954, o preço voltou a melhorar, mas muito pouco. Nas últimas duas décadas, subiu apenas o suficiente para retornar aos níveis de 1950. Em valores atualizados a arroba em 1979 chegou a custar mais de R$500,00 (quinhentos reais), e agora vem oscilando entre R$129,00 e R$ 148,00 conforme a região . Isto significa que um quilo de carne de boi vem saindo das fazendas em média entre R$4,30 e R$4,93, e, a carne de vaca por ainda menos.

Para aumentar a receita será necessário, na grande maioria dos casos, aumentar a escala de produção. Isso quer dizer que somente um número maior de bovinos poderá assegurar ganho suficiente ao pecuarista. A rigor sempre foi assim. Dizia-se que com trezentas cabeças o fazendeiro tinha de levar a boiada, mas, com mais de trezentas a boiada levava o fazendeiro. Ou ainda: “gado é número”. Acontece que, por um longo período, tais verdades ficaram esquecidas porque durante três décadas os preços se mantiveram elevados (grosso modo, de 1960 a 1994). Porém, como a oferta bovina de carne cresceu o dobro do crescimento da população durante as décadas de 1980 e 1990, e, ao mesmo tempo, surgiu a forte concorrência de carnes mais baratas (franco e porco), o mercado interno de carne bovina ficou saturado. O crescimento do mercado externo pelas exportações aliviou a pressão baixista do preço, mas não a eliminou. Hoje se pratica o mesmo nível de preços da década de 1950, porém com custos mais altos. Wedekin, no mencionado livro, mostra que o custo operacional total para a produção de uma arroba na atividade de cria atingiu R$119,68, e, R$124,06 na recria e engorda em Mato Grosso, o estado que desfruta das melhores condições para a exploração da pecuária de corte.

Partindo da premissa de que o pecuarista não dispõe de meios de estabelecer o preço de seu produto, e, que tal preço tenderá a permanecer baixo, os fazendeiros que quiserem se conservar no ramo precisarão adaptar-se à realidade negativa que já vinha se delineando há algum tempo. E qual o caminho? Aumentar a quantidade de carne por hectare, mediante custos compatíveis. Entretanto a solução específica compete ao proprietário, porque cada fazenda representa uma realidade, com suas características ou particularidades. Aumentar a quantidade de carne por área depende, sobretudo, de criteriosa gestão, e não só de tecnologia, embora esta se mostre indispensável.

O assunto merece exame de outro ângulo, qual seja a da crise social anunciada por Maurício Palma Nogueira. Seu vaticínio se mostra plausível. Uma derrocada dos pecuaristas em larga escala provocará reflexos negativos no emprego e no comércio de milhares de municípios nos quais a criação de gado bovino tem peso econômico.

O mesmo quadro repercutirá, inevitavelmente, no mercado imobiliário rural, com grande disponibilidade de terras para venda, o que pela lei da oferta e da procura quer dizer queda acentuada nos preços, não só das fazendas dedicadas à criação de gado, mas até mesmo nas que exploram a agricultura. Pode-se prever, também, a diminuição da velocidade da expansão da fronteira agrícola, porque se tornará mais atrativo comprar terras em regiões já beneficiadas por melhoramentos tais como estradas, energia elétrica, serviços telefônicos e outros, do que adentrar em regiões de desbravamento, carentes de recursos e com dificuldades para o escoamento da produção.

Os técnicos acenam com programas de integração da pecuária com a agricultura e com a silvicultura. Esta pode ser a saída para alguns, mas não para todos, e, me parece que não é factível para a maioria dos pecuaristas, em razão de fatores como a exigência de elevado capital financeiro, a necessidade de grandes extensões de terra (em razão do fator escala) e, finalmente, a falta de conhecimentos específicos. De qualquer forma, a diversificação nas suas inúmeras formas pode ser a solução. Aliás, este texto não foi redigido para apresentar remédios infalíveis, mas para sugerir a atenção a um assunto de inegável importância na economia nacional e regional.

A progressiva queda do valor real do gado afetou o setor de cria, aquele de menor lucratividade. Houve tempo em que com um (1) boi era possível comprar cinco (5) bezerros. Nos últimos anos, em decorrência da lucratividade quase nula, inúmeros pecuaristas abandonaram a cria, e hoje a venda de um (1) boi permite adquirir menos de 3 (três bezerros); a relação de troca está entre 2,65 e 2,67. Por isso, observadores da atividade vêm prevendo o “apagão” do bezerro, isto é, um cenário em que mesmo gerando pouca renda, preço do bezerro tenderá a se aproximar ainda mais do preço do boi gordo, dada a escassez de animais de reposição. Este panorama se delineia ameaçador tanto para os invernistas, ou seja, os fazendeiros que engordam bovinos para abate, como, para os recriadores, isto é os que compram bezerros para transformá-los em garrotes (ou “bois magros”) . Pode-se prever então, que muitos recriadores e invernistas também se afastarão da atividade, reduzindo se a oferta de carne até que o mercado se acomode. Esta acomodação – cuja duração é muito difícil prever – não deixará, obviamente, de ser traumática para os pecuaristas, mas, poderá ser traumática para os consumidores, especialmente se ocorrerem bruscas e fortes altas nos preços.

Por outro lado, depender do mercado externo numa época conturbada por ameaças e incertezas se revela perigoso. Basta ver as consequências do surgimento de foco de febre aftosa no Mato Grosso do Sul há alguns anos atrás, bem como os efeitos da desastrosa Operação Carne Fraca, mais recentemente.

Como a criação de gado no passado possibilitou bons lucros, e, ademais durante o período inflacionário o gado servia de proteção contra o aviltamento do valor da moeda, muita gente investiu na pecuária, fato que aliado à notória melhoria nos níveis de produção permitiu não só o abastecimento do mercado interno, como até a exportação. Atualmente, contudo, o cenário é muito diverso, prevendo-se, então que os investimentos tendam a se reduzir drasticamente.
*O autor é advogado e pecuarista.

Jornal Nova Fronteira