MDL e o mercado de carbono: alternativas para o desenvolvimento de tecnologias limpas
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Antes de adentrarmos em uma discussão sobre o MDL e os chamados crédito de carbono é necessário que se faça uma rápida passagem em relação ao documento denominado Protocolo de Kyoto, que completou em fevereiro de 2015, dez anos em vigor.

Priscilla Brito da Cruz*

Antes de adentrarmos em uma discussão sobre o MDL e os chamados crédito de carbono é necessário que se faça uma rápida passagem em relação ao documento denominado Protocolo de Kyoto, que completou em fevereiro de 2015, dez anos em vigor.

Em que pese a polêmica envolvida em torno da real aplicabilidade e efetividade do Protocolo (que teve seu prazo prorrogado até 2020, sem contar, contudo, com a participação de países como Japão, Rússia, Canadá, Nova Zelândia e novamente os EUA), estando este ainda, com sua substituição prevista ainda para este ano, em Paris, onde será realizada a COP 21, este documento provavelmente representou o primeiro passo para se chamar a atenção dos países desenvolvidos (e industrializados), à emissão dos gases causadores do efeito estufa. Não só isso, a formação do Protocolo serviu ainda como ao menos, um alerta para a necessidade de transformação dos ideais de sustentabilidade e preservação do meio onde vivemos, para as futuras gerações.

A partir da vigência do Protocolo de Kyoto, buscou-se incentivar o mercado a participar de iniciativas que visassem a redução de emissão de gases de efeito estufa. Para tanto, foram adotados três mecanismos de flexibilização, dentre eles, o MDL.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo é o único mecanismo de flexibilização no qual os países em desenvolvimento podem tomar parte. Essa medida foi utilizada para, além de conscientizar grandes potências poluidoras, somar às nações em desenvolvimento a possibilidade de adoção de políticas de redução das emissões de gases de efeito estufa.

Com o mecanismo do MDL em funcionamento, os países em desenvolvimento têm a possibilidade de vender para os países obrigados a reduzir as emissões, ou seja, os países que compõe o Anexo I do Protocolo de Kyoto – países desenvolvidos – a quantidade de redução desses gases por eles emitidos.

É válido lembrar que o MDL é um instrumento voluntário de combate à emissão dos gases causadores de feito estufa, e permite, através das reduções destes, a certificação de projetos e posterior venda dos certificados para que se possa estimular os países desenvolvidos a alcançar a meta fixada no protocolo de redução dos gases poluentes causadores do efeito estufa.

Dito isso, os créditos de carbono, também chamados de Redução Certificada de Emissões (RCE), são concedidos às empresas que realizam projetos que venham a compensar as emissões de gases poluentes na atmosfera. Estes créditos representam uma unidade comercial, com objetivo monetários, ou seja, um campo de trocas.

Esta ação segue os critérios da Convenção Quadro das Nações Unidas Sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e é regulamentada pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). No Brasil, a supervisão do processo de concessão é feita pela Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, sendo os créditos negociados na Bolsa Mercantil e Futuros (BM&FBOVESPA), dentro do Mercado de Carbono, via internet.

Como o Protocolo de Kyoto funciona como o regulador deste mercado, eis que demarca as metas a serem cumpridas, seu funcionamento se dá de forma obrigatória, pelos países participantes.

Um exemplo de aplicação prática desse sistema, pode estar na transformação de energia através do lixo. Explica-se: em agosto de 2015, a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (nº 12.305, de 2 de agosto de 2010) , começou a vigorar, estando as prefeituras dos Municípios brasileiros sujeitas à multas milionárias em razão do descumprimento das determinações ali dispostas.

Face à necessidade de se pôr fim aos lixões, os aterros representam uma solução válida, eis que, ao contrário daqueles, há toda uma preparação para que a contaminação não atinja por exemplo, os lençóis freáticos ali possam estar instalados. Frise –se ainda que, o metano, gás que emana, in casu, da decomposição da matéria orgânica, é mais eficiente na captura de radiação do que o gás carbônico.

O descarte de lixo a céu aberto, em terrenos sem qualquer tratamento, contribui ainda para a degradação e contaminação do solo e disseminação de doenças. Assim, referidas leis estipularam que os municípios substituíssem os lixões por aterros sanitários.

O que ocorre é que estes Municípios não possuem sequer projetos ou gestão dos resíduos que são encaminhados aos aterros e lixões. Não há ainda, uma mentalidade de implementação de medidas de gestão integrada de resíduos sólidos, o que acarreta impacto direito à saúde ambiental e humana. O alto custo de aplicabilidade da lei é um fato, eis que as cidades, na maioria das vezes estão despreparadas e agem de forma negligente quanto à saúde pública.

Deixando-se de lado o cumprimento efetivo da Lei em tela, passamos à possibilidade acima mencionada, do aproveitamento de energia através do lixo, aliada à melhora das condições de saneamento do Município onde essa sistemática é utilizada.

As chamadas “usinas”, garantem a geração de energia a partir do gás (metano) emitido pelo lixo em decomposição. Um dos precursores desta tecnologia no Brasil, São Paulo, através da Usina São João, localizada no aterro São João, é um indicativo brasileiro da geração de energia através da bioeletricidade. A central de tratamento de resíduos, por meio deste aterro (desativado), é capaz inclusive, de transformar o conhecido chorume, em água de reuso.

Segundo a revista Veja (2012), a prefeitura daquele Município, através da comercialização dos créditos de carbono pela Bolsa de Valores de São Paulo, já arrecadou em leilões internacionais, a quantia estimada de R$ 71 milhões. Outro exemplo da utilização desta tecnologia, é o Usina Termelétrica Bandeirantes, desativado desde o ano de 2007, mas responsável pelo filtro de cerca de 80% deste gás, impedindo assim seu lançamento na atmosfera. Os valores adquiridos através desta troca, podem ser aplicados em inúmeros projetos sociais e ambientais, provenientes de um sistema que para muitos seria simplesmente descartável.

Assim, a implantação do Protocolo, bem como das medidas que o seguem, não foi de todo inócua, servindo, senão, como forma de conscientização e ferramenta de implantação de projetos ambientais, tecnológicos, sociais e voltados ao desenvolvimento econômico. Isto posto, independentemente de quais instrumentos sejam utilizados, a diversificação e descentralização dos meios tradicionais para se adquirir energia, ou subsídios para investimentos na qualidade de vida configuram-se essenciais, seja em razão da evolução tecnológica, seja para a garantia da sustentabilidade ambiental e da saúde pública.

*Priscilla Brito da Cruz é advogada do escritório Lapa & Góes e Góes Advogados Associados

Jornal Nova Fronteira