João Ubaldo em Barreiras
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Anos atrás, imagino, o escritor João Ubaldo Ribeiro desembarcou no Aeroporto de Barreiras, para cumprir uma agenda que incluia o lançamento do seu último livro e uma palestra em torno do futuro da literatura. Foi recebido por duas bonitas e simpáticas moças que se identificaram como recepcionistas do evento que homenageava o autor baiano, integrante da Academia Brasileira de Letras. “Vocês me reconheceram facilmente?, indagou o escritor.

 

Newton Alvim*

Anos atrás, imagino, o escritor João Ubaldo Ribeiro desembarcou no Aeroporto de Barreiras, para cumprir uma agenda que incluia o lançamento do seu último livro e uma palestra em torno do futuro da literatura. Foi recebido por duas bonitas e simpáticas moças que se identificaram como recepcionistas do evento que homenageava o autor baiano, integrante da Academia Brasileira de Letras. “Vocês me reconheceram facilmente?, indagou o escritor. Uma das garotas respondeu: “Claro! O senhor é famoso aqui e em qualquer lugar”. Sorridente, apertando os olhinhos miopes atrás das grossas lentes, o autor de “Sargento Getúlio” teria dito: “Então tudo está começando muito bem!”

Assim, aqui no capital do Oeste da Bahia, João Ubaldo Ribeiro certamente teria a boa surpresa de se ver, talvez pela primeira vez na vida, com a cara e o jeito de escritor. Isso porque, diversas vezes, em suas bem humoradas crônicas, se queixava de que tinha a cara errada. Escreve ele que “meu primeiro problema é não ter cara de escritor e, muitíssimo menos, de intelectual – esta última nem pensar”. Com seu irresistível bom humor, anotava que podiam vê-lo “como um coroa exibido, que não tem pejo de curtir sua aposentadoriacomo auxiliar de escrivão de um cartório, pegando umas merrecas do INSS e bebendo cerveja junto a similares, no carteado da pracinha em frente ao boteco”.

A coisa era tão séria que, certa vez, em Salvador, onde era esperado para fazer uma conferência, chegou a ser barrado. Ele conta: “Fiquei esperando na porta, até que o professor que dirigia os trabalhos achou que eu não ia aparecer e começou a pedir desculpas à plateia apinhada. Aí eu gritei de fora que não tinha faltado ao compromisso. Tinha simplesmente sido barrado pela moça que controlava a entrada. E o professor me endereçou um sorriso de desdém ao me ouvir dizer que o conferencista era eu”.

Felizmente, em Barreiras, as duas moças que o recepcionaram não eram como aquela mocinha de Salvador. Elas sabiam do homem e sua obra. Sabiam que aquele escritor nascido em Itaparica produzia literatura de qualidade, capaz de divertir e provocar reflexão, como certamente constataram lendo seus livros, que pegavam emprestados na Biblioteca Municipal Folk Rocha, na Praça Castro Alves. Assim fazem muitos jovens da cidade, que conhecem “Viva o povo brasileiro” e “O sorriso do lagarto”, além dos diversos volumes de suas crônicas de originalidade e humor irresistíveis.

Fiquei matutando sobre essa vinda do João Ubaldo Ribeiro a Barreiras com a certeza de que as duas moças do meu imaginário saberiam tudo sobre ele e a cara que realmente tinha, que era a de um escritor com o olhar para o inusitado, o paradoxal e o poético no cotidiano mais comum. Não sei se algum dia ele veio a Barreiras e lamento muito que tenha nos deixado há cerca de três anos. Se ainda estivesse entre nós certamente olharia com carinho para esta cidade, que tem a ousadia de realizar a Festa Literária de Barreiras (FLIB), que tanto dignifica o escritor e o livro. João Ubaldo Ribeiro era, com certeza, um dos caras que eu gostaria de ter conhecido, inclusive porque tinha pinta de homem comum e achava graça de tudo.

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• Newton Alvim é jornalista e escritor gaúcho. Reside em Barreiras desde maio de 2017.

Jornal Nova Fronteira